Geração Lona Cultural e Arena Carioca: Como esses artistas contribuem para novas estéticas no teatro do Rio de Janeiro?

Por Alex Teixeira

Me formei na faculdade de jornalismo em 2008, aos 21 anos, e dois anos depois me inscrevi na prova de mestrado da Escola de Comunicação da UFRJ, mas justamente no dia da avaliação estava trabalhando em Olinda/PE, no Mimo Festival. Perdi ali a oportunidade de aprofundar meus estudos sobre a implementação do rádio digital no Brasil – que até hoje não aconteceu -, e mais do que nunca, tenho certeza que não era mesmo pra ter rolado. 

Trabalhar no campo da cultura sempre foi um desafio, sobretudo no que diz respeito à sustentabilidade. Faço teatro desde os 12, e elegi o jornalismo, em especial o jornalismo cultural, como um aliado, uma espécie de bote salva-vidas financeiro em tempos de escassez nos ofícios de ator e produtor. Isso funcionou, funcionou bem durante muitos anos, até que o Brasil começou a descer a ladeira, nossos governantes passaram a odiar artistas, comunicadores e projetos culturais. Eu então voltei a mirar para a academia como um espaço importante a se estar neste momento. 

Imaginei que era a hora exata de levar um pouco da prática aqui de fora pra universidade, e carregar um bocado dos conhecimentos acadêmicos para outros espaços. Pois ano passado voltei a observar minha trajetória, meus desejos, minhas construções ao longo da última década na Peneira, e também fora dela, e propus um projeto ao Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades (PPCULT/UFF), e fui aceito. A ideia é estudar no mestrado como as políticas públicas que deram origem as Lonas Culturais e Arenas Cariocas foram importantes para a atual cena do teatro no Rio de Janeiro. 

Essa proposta está intimamente ligada a minha história. Por ter morado boa parte da vida em Nilópolis, fui um costumaz frequentador da Lona Cultural Carlos Zéfiro, em Anchieta, distante cinco minutos da minha casa. Ali assisti a centenas de espetáculos e shows de altíssima qualidade por valores irrisórios, e pude perceber a importância daquele equipamento para quem vive em seu entorno. Como ator, tive a experiência de circular com espetáculos por todas as Lonas e Arenas através de editais públicos como o FATE, e posteriormente o Fomento às Artes, ambos da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Vivi o apogeu, mas também acompanhei a decadência de vários desses espaços, seja pela diminuição da verba destinada para a pasta da Cultura, seja por um projeto político que pretende frear as transformações sociais.

Outro ponto que desejo pesquisar são as Estações Cidadania – Cultura, equipamentos culturais recém instalados com verba do governo federal em diversos territórios populares da Região Metropolitana do Rio, e que poderiam fazer uma verdadeira mudança nesses espaços, mas estamos no Brasil 2020, e muita água ainda há de passar por baixo da ponte. 

Dessa forma, compartilho com vocês o iniciozinho desta pesquisa, ainda sem abordar a cena do teatro na atualidade.     

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 É fundamental investigar as transformações que as políticas públicas de cultura são capazes de produzir na realidade das pessoas e em seus territórios, e como isso se reflete na estética artística que vemos em cena hoje, na redução das desigualdades, e em ações de prevenção à violência. Por meio de tais análises é possível contribuir com o aprimoramento destas políticas e subsidiar a formulação de novas propostas e formatos mais alinhadas com as necessidades locais e de seus usuários.

Neste projeto, proponho o estudo de caso comparado de três políticas públicas de cultura, duas realizadas pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (SMC) e uma pela União em parceria com os municípios. São elas: Lonas Culturais (SMC), Arenas Cariocas (SMC) e Estações Cidadania – Cultura (União – municípios). Em comum, o fato de todos os equipamentos estarem localizados em regiões populares, e integrarem ações culturais, práticas esportivas e de lazer, formação e qualificação profissional, além de promoverem a convivência comunitária.

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As Lonas Culturais são espaços pertencentes a rede de equipamentos culturais da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro (SMC), criados à partir de 1993, no governo do prefeito Cesar Maia, por iniciativa de um movimento de agentes culturais das zonas Oeste e Norte da cidade. A ideia surgiu após o fim da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92, e a não utilização das coberturas dos centros de debates, que foram solicitadas à administração pública para a criação desses espaços de arte e cultura no subúrbio carioca. Hoje existem sete Lonas Culturais: Carlos Zéfiro (Anchieta – Zona Norte), Elza Osborne (Campo Grande – Zona Oeste), Herbert Vianna (Maré – Zona Norte), João Bosco (Vista Alegre – Zona Norte), Sandra de Sá (Santa Cruz – Zona Oeste), Terra (Guadalupe – Zona Norte), Jacob do Bandolim (Jacarepaguá – Zona Oeste), além de três Areninhas Cariocas: Hermeto Pascoal (Bangu – Zona Oeste), Renato Russo (Ilha do Governador – Zona Norte) e Gilberto Gil (Realengo – Zona Oeste), que são Lonas renomeadas após receberem reformas estruturais e ar condicionado.

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Já as Arenas Cariocas foram construídas em 2012 no governo do prefeito Eduardo Paes, e são uma espécie de atualização das Lonas, com estrutura em alvenaria, dois pavimentos e capacidade para receber 330 pessoas sentadas. Elas também são vinculadas a SMC, e estão comprometidas com a inclusão, a transformação social e o desenvolvimento territorial. Apenas quatro Arenas Cariocas saíram do papel: Abelardo Barbosa – Chacrinha (Pedra de Guaratiba – Zona Oeste), Jovelina Pérola Negra (Pavuna – Zona Norte), Carlos Roberto de Oliveira – Dicró (Penha – Zona Norte) e Fernando Torres (Madureira – Zona Norte). A previsão anunciada pelo então prefeito, era que todas as Lonas virariam Arenas.             

Tanto as Arenas Cariocas como as Lonas Culturais e as Areninhas Cariocas são cogeridas entre a SMC e organizações de sociedade civil, que são responsáveis pelas atividades administrativas e artísticas, de disseminação da arte, lazer, entretenimento, complementação à educação formal e gastronomia. A única exceção é a Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, que desde o final de junho de 2019 integra a estrutura básica do gabinete do prefeito Marcelo Crivella.

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A história das Estações Cidadania – Cultura remete ao governo da presidenta Dilma Rousseff, que instituiu em 2010 a criação do Programa CEUs (Centros de Artes e Esportes Unificados) como a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), dentro do eixo Comunidade Cidadã. Realizado em conjunto pelos Ministérios da Cultura, Esporte, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Justiça, e Trabalho e Emprego, o projeto era coordenado pelo Ministério da Cultura, e hoje, com a nomenclatura de Programa Estação Cidadania – Cultura, está a cargo da Secretaria de Difusão e Infraestrutura Cultural da Secretaria Especial da Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo.

A execução das Estações Cidadania – Cultura acontece por meio de recursos da União repassados aos entes federados. Esses entes (municípios e Distrito Federal) ficam responsáveis pela manutenção, programação, sustentabilidade financeira do equipamento e pela gestão compartilhada, que é feita por grupos tripartites, compostos de formaequitativa por moradores locais, sociedade civil organizada e representantes do poder público local.

Até o presente momento, seis Estações Cidadania – Cultura foram inauguradas na metrópole fluminense. São elas: Praça CEUs Itaguaí (Itaguaí – Baixada Fluminense), CEU Marco Antônio Cardoso Siqueira (Maricá – Leste Fluminense), Praça dos Meninos (Nilópolis – Baixada Fluminense), Praça CEU Corta Rio (Petrópolis – Região Serrana), CEU Planeta Futuro (Queimados – Baixada Fluminense) e CEU Ismael Silva (Niterói – Leste Fluminense). Em fase de obras encontram-se mais 11 unidades: Itaboraí – Leste Fluminense, Belford Roxo – Baixada Fluminense (2 Estações), Magé – Baixada Fluminense, Mesquita – Baixada Fluminense, Nova Iguaçu – Baixada Fluminense (2 Estações), São Gonçalo – Leste Fluminense (2 Estações), São João de Meriti – Baixada Fluminense e Tanguá – Leste Fluminense.

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Diante disso, as minhas investigações têm perpassado pelos seguintes temas: 

  • Quais possibilidades de transformação social esses equipamentos trazem para os territórios populares? 
  • Como a descontinuidade de políticas públicas impacta esses equipamentos? 
  • Como as gerações que foram e são formadas nesses espaços contribuem para a criação de novas estéticas, modos de produção e vozes políticas nas cidades? 
  • Como esses espaços culturais se relacionam com o território em que estão inseridos?

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Parece que lá fora está tudo desmoronando, e está, mas a hora de reconstruir também é agora, e a produção acadêmica e as práticas comunitárias desenvolvidas por nós, na Peneira, passam por aí.