A sublime desorientação de uma floresta na cidade

Por Victor Belart

foto o acervo pessoal do autor

Pois é. Nunca imaginei dizer essa frase bizarra, mas estamos completando o primeiro ano de pandemia. O período de aceitação já passou faz tempo. Estou longe de ser aquelas pessoas que aprenderam milhares de coisas, praticaram idiomas ou desenvolveram novas habilidades nesse período de entropia. Mas há notícias boas. O simples fato de relembrar que vivo ao lado de uma floresta tem sido uma bonita maneira de levar a vida entre a cultura, o afeto e o movimento. O mundo é muito mais leve entre a floresta e a cidade.

O historiador Sidney Chalhoub conta que no Rio de Janeiro do passado, muitas pessoas foram viver em bairros altos para escapar de aglomerações no tempo de epidemia de Febre Amarela. Tijuca e Santa Teresa são bairros que cresceram bastante assim.

Eu não sabia nada disso quando fiquei enclausurado, com fundos para a Rua Uruguai num quarto sem janela para fora do meu próprio quintal. Na minha casa, naqueles meses, a única maneira de enxergar o que acontecia na rua era trepando através de uma escada, chegando ao telhado. Por vários meses, trepado nessa mesma escada, conseguia ver ao fundo parte da Floresta da Tijuca.

Quando nossa rotina começou a abrir mais, passei a frequentar o Maciço, a floresta, as montanhas. Encravado bem próximo ao Centro do Rio, cortado por antigas estradas e repleto de animais e Mata Atlântica, a experiência rara de viver numa cidade encravada na floresta me apresentou uma vida num ritmo mais cadenciado.

O Geógrafo Milton Santos cita os “homens lentos”, aqueles que vivem em outra frequência de cidade, como peça fundamental de ruptura no ritmo urbano.  A urbanista Paola Jacques cita a ideia do Labirinto e da ‘desorientação’ como importante maneira de viver e desvendar um grande Centro Urbano.

Desorientado, fora da zona de conforto, passei a tentar cada vez mais circular pelos caminhos do Maciço como forma de jogar meu corpo numa nova perspectiva de sons, sensações e experiências de Rio de Janeiro, que não mais aquela cidade repleta de eventos e aglomerações.

Dividindo e unindo várias Zonas do Rio, o Maciço aproxima e (des)orienta. Destrói algumas concepções de Centro-Periferia através de seus sinuosos caminhos. Afinal, é possível ir da Barra da Tijuca à Santa Teresa, ou à Tijuca ou à Zona Sul ou ao Rio Comprido e vários outros destinos, de acordo com o caminho que se tome através dos acessos do Maciço. Algumas das mais tradicionais favelas do Rio estão encravadas nele. Existem também áreas de plantio, pastos, antenas, despachos, animais, cachoeiras, sítios arqueológicos, anfiteatros, casarões.

Um Rio de Janeiro Outro, que vê a cidade de cima e tem a sublime companhia da floresta como metáfora daquilo que refloresce e rejuvenesce.  Numa cidade que sofreu tanto com as mortes, que a presença do Maciço nos sirva como fonte de vida.
Victor Belart é Doutorando em Comunicação pela UERJ. Integrante do Laboratório de Comunicação, Arte e Cidade (CAC-UERJ). Entre 2010 e 2020, organizou dezenas de intervenções artísticas e culturais nos espaços públicos do Rio de Janeiro.