A Mamata Voltou?

Justificativa, descrição, planilha orçamentária, cronograma de execução, leis de incentivo, contrapartidas sociais e todo esse painel semântico da produção cultural talvez não esteja muito distante de você caso seja um agente que se interesse pelo “como”, mas talvez esteja caso o seu foco esteja no “o que” e “por que”. Independente de qual seja o seu caso, te incentivo a vir comigo neste texto para estar mais atento no ponto fundamental da difusão de uma proposta artística para além do quanto ela vale na moeda local ou estrangeira, mas em seu impacto social e consequentemente econômico. Arte é obra, também é projeto. Economia criativa com políticas públicas para salvaguardar patrimônio material e imaterial de uma nação e a arte como um de seus eixos alimentam-se deste compromisso e eu nem preciso lembrar dos primórdios, talvez precise já que a história não tem só uma versão. E por falar em impacto…

Na cidade de São Paulo, a cidade precursora na implementação de políticas públicas para a cultura com Mario de Andrade e a maior capital econômica da América Latina, no momento em que escrevo este texto está passando pela reformulação do maior programa de suporte a centros culturais do estado, deixando sob ameaça espaços de referência importantes para profissionais do segmento na cidade. Reformulação foi como a ação teria sido justificada pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do estado, mas isto possivelmente tenha outro nome. Investir em capacitação para a Indústria Criativa seria o intuito informado pela Secretaria na reformulação do programa, mas isto não poderia ser feito sem mais uma vez ameaçar um setor que vive em constante estado de alerta?

Trabalhar com arte e cultura é quase um esporte radical que você pratica sem o equipamento de segurança necessário. Claro, tudo isso depende da sua origem. Também pode ser um esporte sofisticado como a esgrima e o hipismo, desses que não se encontram com aulas gratuitas em projetos sociais. Tudo depende de qual é a sua fonte ou fontes.

Controversas são as medidas uma vez que depois da retomada do Ministério, 7 bi foram injetados no setor só no ano passado e este ano 2 bi foram destravados em uma Rouanet reformulada que bateu recordes dentro de mais de uma década de projetos submetidos para a análise com destaque para as regiões Norte e Nordeste. Não esquecendo de falar do suporte das leis emergenciais Paulo Gustavo e Aldir Blanc e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), abre-alas do Governo Lula, para que obras inacabadas sejam retomadas e os estados possuam mais espaços culturais. Enfim um respiro depois da supressão dos anos anteriores, é o que
podemos pensar, mas a ameaça é contínua e nós precisamos ter ferramentas para lidar com ela. A indústria cultural segue ultrapassando setores de peso como o automotivo e de construção na equivalência do PIB do país (2012-2020 via Itaú Cultural), mesmo com os impactos dos últimos anos de escassez e os frequentes desníveis de distribuição e expressividade anual que começaram bem antes da catástrofe inominável governar estas terras. A saber, a Lei Rouanet é uma lei de incentivo e tem apenas 32 anos de existência. Foi ela que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Antes era tudo mato no campo da política pública voltada para o segmento e, a passos lentos, ajustes têm sido feitos para ampliar a geração de renda, empregos e acesso à cultura. Evidente que implementar uma política não é o mesmo que garantir seu bom funcionamento e nós sofremos diretamente com esses frequentes desajustes e até mesmo falta de reconhecimento efetivo de determinada linguagem ou manifestação para que o suporte possa existir.

A questão do título é oriunda de uma fala dita pelo presidente Lula no evento onde ele lançou o novo decreto da Lei Rouanet ano passado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. “Vão dizer que a mamata voltou”, ele comenta em seu discurso. Cultura no Brasil pelo visto tem lado e trabalhador da cultura pelo que sabemos tem fome, do mesmo jeito que todo o mundo tem. “Cultura é igual feijão com arroz” como bem disse nosso ex ministro Gilberto Gil e nós estamos envolvidos desde o ronco do estômago até o preparo, somos agentes.

A consulta pública sobre o Plano Nacional de Cultura esteve no ar até o dia quatro de abril e, democraticamente, é possível entender esta ação como um ponto positivo para o desenvolvimento das políticas públicas para a Cultura. No entanto, apesar dos expressivos investimentos do governo Lula e Dilma no setor em relação aos governos anteriores, catástrofes que poderiam ser evitadas como o apagão nas oficinas culturais em São Paulo e faltas que se repetem como a pouca abrangência dos recursos destinados a Cultura continuam ocorrendo e se alimentando da pouca mobilização estratégica e capacitação do setor.

Uma boa agência se faz com atenção ao cenário atual que sempre vai mudar e levar a gente junto. Estratégia, adaptação, aplicabilidade, são mais palavras para pregar no painel semântico da produção cultural que comecei expondo no início do texto e continuo sem dar fim porque voltaremos nele. Pensar o “como” abre as portas da dimensão factível de qualquer projeto e torna o “o que” e “por que” mais alinhados com a promoção de consumo comprometida com a ética do seu projeto.

Thaina INÁ é narradora audiovisual, teórica da dança, produtora e curadora independente. Nascida e residente da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. Projeta sua arte em manifestações multilinguagens tendo a dança como área de formação principal e o audiovisual como formação paralela. Desde 2021 atua também em todas as etapas da produção projetos artísticos e culturais junto de outros agentes periféricos.

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